quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

O visitante




Lá fora ainda é cedo e já tem um visitante tocando a campainha. Espio pelo olho mágico e fico com medo de abrir. Não que ele pareça feio, longe disso. Mas é certo que é assustador, apesar de jovem, novinho em folha. Meu receio é que junto com ele, escondidas no corredor, possam estar companhias que não sei se poderei acomodar. E se elas pedirem coisas que não conseguirei atender? E se bagunçarem minha casa, mudarem os móveis de lugar? 

Também não quero abrir porque penso que não é hora de receber um novo visitante. Além do mais, outro dia mesmo acolhi outra visita do tipo e ainda estou analisando se o resultado foi bom.  É que ela me trouxe de presente uma listinha com algumas tarefas estranhas. Viajar mais, comer melhor, sorrir demais, lamentar de menos, ganhar mais dinheiro. Ideias que transitaram pelos meus dias e foram perdendo força a cada virada de página do calendário, sem que eu tivesse tempo de digeri-las. Pois é. Cedo demais para receber uma nova lista.

Despisto, tento olhar pelo buraco da fechadura e vejo o visitante lá, paradinho, no mesmo lugar. Está certo: decidi. Vou deixá-lo entrar, nem que seja só um pouquinho. Que mal pode haver? Mas, desta vez, acho que vou fazer diferente. Não quero receber presente e sim lhe entregar um. Não uma lista, mas um relatório. Um relatório anual da felicidade. 

Sei que é um tenebroso clichê – coisa que abomino desesperadamente – mas a felicidade está mesmo em detalhes pequenos, que não pedem muito. E são estes que quero colocar no meu relatório. O olhar do filho aos pais quando os vê na plateia, no dia da formatura. O sorriso largo e sem igual da amiga querida, no esperado dia do casamento. O beijo de segunda-feira dado por quem te escolhe para dividir a vida. A amizade verdadeira que começou ontem, mas que parece ter existido desde sempre. O resultado daquele exame que tranquiliza ou que exige e desperta ainda mais forças. O encontro com quem fica longe. As flores amarelas surgindo no vasinho que quase foi pro lixo. Tão pequenos? Não, tão grandiosos. 


Resolvido. Vou anotar tudo e entregar à visita. Soube que seu nome é Ano Novo e que costuma bater em todas as portas, oferecendo novidades. Então pode entrar, senhor visitante. Dessa vez vai se surpreender comigo.  Só espero que goste do meu presente e continue me visitando ainda por muito tempo.  Entre e fique à vontade. Mas, antes, limpe bem os pés no tapete. Poeiras passadas podem ficar do lado de fora. 

Cíntia Nascimento

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