Lá fora
ainda é cedo e já tem um visitante tocando a campainha. Espio pelo olho mágico
e fico com medo de abrir. Não que ele pareça feio, longe disso. Mas é certo que
é assustador, apesar de jovem, novinho em folha. Meu receio é que junto com
ele, escondidas no corredor, possam estar companhias que não sei se poderei
acomodar. E se elas pedirem coisas que não conseguirei atender? E se bagunçarem
minha casa, mudarem os móveis de lugar?
Também não
quero abrir porque penso que não é hora de receber um novo visitante. Além do
mais, outro dia mesmo acolhi outra visita do tipo e ainda estou analisando se o
resultado foi bom. É que ela me trouxe de
presente uma listinha com algumas tarefas estranhas. Viajar mais, comer melhor,
sorrir demais, lamentar de menos, ganhar mais dinheiro. Ideias que transitaram
pelos meus dias e foram perdendo força a cada virada de página do calendário,
sem que eu tivesse tempo de digeri-las. Pois é. Cedo demais para receber uma
nova lista.
Despisto,
tento olhar pelo buraco da fechadura e vejo o visitante lá, paradinho, no mesmo
lugar. Está certo: decidi. Vou deixá-lo entrar, nem que seja só um pouquinho.
Que mal pode haver? Mas, desta vez, acho que vou fazer diferente. Não quero
receber presente e sim lhe entregar um. Não uma lista, mas um relatório. Um
relatório anual da felicidade.
Sei que é
um tenebroso clichê – coisa que abomino desesperadamente – mas a felicidade está
mesmo em detalhes pequenos, que não pedem muito. E são estes que quero colocar no
meu relatório. O olhar do filho aos pais quando os vê na plateia, no dia da
formatura. O sorriso largo e sem igual da amiga querida, no esperado dia do
casamento. O beijo de segunda-feira dado por quem te escolhe para dividir a
vida. A amizade verdadeira que começou ontem, mas que parece ter existido desde
sempre. O resultado daquele exame que tranquiliza ou que exige e desperta ainda mais
forças. O encontro com quem fica longe. As flores amarelas surgindo no vasinho
que quase foi pro lixo. Tão pequenos? Não, tão grandiosos.
Resolvido.
Vou anotar tudo e entregar à visita. Soube que seu nome é Ano Novo e que
costuma bater em todas as portas, oferecendo novidades. Então pode entrar,
senhor visitante. Dessa vez vai se surpreender comigo. Só espero que goste do meu presente e
continue me visitando ainda por muito tempo. Entre e fique à vontade. Mas, antes, limpe bem
os pés no tapete. Poeiras passadas podem ficar do lado de fora.
Cíntia Nascimento
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