Na
venda do seu Moisés tinha de tudo. Pilha, maria-mole, banana, sabão em pó,
paçoquinha, pasta de dente, guaraná, água sanitária, chocolate, papel
higiênico, doce de leite, cachaça, pipoca, groselha, balas de todas as cores e
sabonete. Também tinha pó de café, agulha, açúcar, bombocado, palha de aço,
rocambole, detergente, suspiro, gilete e farinha de milho. E no meio de tanta
coisa, tinha ainda conversa de compadres e crianças felizes, frequesinhas com a
sorte de estar crescendo no interior de Minas. E o melhor é que, entre as
sortudas, estava eu, que morava na mesma rua, na mesma calçada.
Toda tarde era preciso bater o
ponto na venda do seu Moisés para adoçar a existência. Já o cardápio era
variado conforme o dia da semana, a disposição ou o humor. Eu gostava da bala
redonda e dura, que carregava uma aura perigosa, aterrorizando a nossa vida. O
certo é que todo mundo sabia de um infeliz, filho não sei de quem, que se
engasgou com a danada e precisou correr para o hospital. As roxas, de uva, eram
as mais ameaçadoras (sabe-se lá o porquê). Também adorava aquelas balas que
vinham em correntinha, uma emendada na outra, embrulhadas em papel com carinhas
de bichos. E amava a bananada, do copinho com colherzinha de madeira. Delícias!
Se acabava o sal, “corre lá na
venda do seu Moisés”. Se era o vinagre que faltava para a salada,
“pede pro seu Moisés vender só um copo”. E a gente levava de casa o tal copo
para ser enchido com o vinagre ou qualquer outro líquido que porventura
estivesse sendo requisitado.
Do lado de dentro do
balcão, ficava ele, o seu Moisés. Educado, sereno, com a maior paciência para
atender clientela tão animada. Sua esposa, dona Ana, também muitas vezes estava
por perto emprestando sua doçura e dando uma mãozinha. E havia ainda o seu
Jacinto - irmão do seu Moisés –, figura ímpar, que exibia uma altivez e uma
elegância primorosas, o que tornava o local ainda mais cativante. Uma vez seu
Jacinto pediu para eu fazer uma conta de multiplicar. Acertei. Aí ele começou a
incrementar os números e a coisa foi ficando cada vez mais desafiadora. Em
outro dia, pediu que eu colocasse a linha preta na agulha para ele (naquela
época eu enxergava!). E ficou impressionado quando dei o nozinho no final,
unindo as duas pontas. “Que menina esperta!”. Lógico que saí saltitando, crente
que era uma heroína, e nunca mais me esqueci da proeza.
Também nunca me esqueci do cheiro da
venda, que trouxe aroma e tanto tempero às nossas infâncias. E o legal é que
pude ver de perto seus bastidores, já que era – e ainda sou, felizmente – amiga
das netas do seu Moisés: Patrícia, Maria Luiza e Elaine. Portanto, a amizade me
dava passe livre para frequentar o sobrado, sede da venda. Ele ficava ao pé do
morro e tinha um quintal enorme, com balanço e tudo, perfeito para as nossas
tantas brincadeiras. O melhor da história é que sempre fui recebida pela
família de forma muito carinhosa e invariavelmente deixava a casa me sentindo
respeitada, importante.
Queria que todo mundo
tivesse uma venda do seu Moisés na memória e tudo o que vem junto com ela. Além
do gosto de nossas guloseimas prediletas, as lembranças da venda trazem também
a fragrância da terra que levantava da nossa rua, quando vez ou outra passava
um carro. Resgatam o murmurinho da criançada jogando queimada ou
peteca, pulando amarelinha e se estabacando no chão para aprender a andar de
bicicleta. O barulho dos carrinhos de rolimã, acordando os vizinhos mais cedo.
As manilhas de concreto, que por algum tempo foram nossas espaçonaves e nos
levaram para galáxias distantes. Evocam os votos de bom-dia da tia
Terezinha, sempre bem-maquiada e esperando o melhor da vida. A serenidade da
dona Natália, que cultivava rosas no jardim. O som de bateria que vinha da casa
da esquina.
Tanta coisa bonita morava
naquele pedacinho de rua, onde cabia o nosso mundo. Pena que agora a venda não
existe mais. Mentira! Existe, sim. Está guardada aqui dentro, com todos os bons
sentimentos que ajudou a delinear e a consolidar. É que na venda do seu Moisés
tinha mesmo de tudo. Inclusive o amor.
Cíntia
Nascimento
Foto: Seu
Moisés, em frente à venda, no início dos anos 1970, em Cambuí -
MG (Arquivo de família)
Eu lembro muito, fez parte da minha infância e adolescência. Comprei muito lápis, borracha, caderno, o famoso pão com mortadela e guaraná, já na adolescência ao ir para o colégio, sempre comprava o meu maço de cigarros, Benson & Hedges mentolados, sucesso com a turma, depois mudei para Carlton, seu Moisés já deixava os meus separados, hehehe, tinha que comprar escondido. A prosa era sempre boa e humorada, saudades da Sambuca, eu comprava e leva para o colégio e na hora do recreio era pura alegria. Bons tempos, horas histórias, um tempo que éramos felizes. Saudades boas!!!
ResponderExcluirEu lembro muito, fez parte da minha infância e adolescência. Comprei muito lápis, borracha, caderno, o famoso pão com mortadela e guaraná, já na adolescência ao ir para o colégio, sempre comprava o meu maço de cigarros, Benson & Hedges mentolados, sucesso com a turma, depois mudei para Carlton, seu Moisés já deixava os meus separados, hehehe, tinha que comprar escondido. A prosa era sempre boa e humorada, saudades da Sambuca, eu comprava e leva para o colégio e na hora do recreio era pura alegria. Bons tempos, horas histórias, um tempo que éramos felizes. Saudades boas!!!
ResponderExcluirFico feliz que o texto tenha trazido tantas boas lembranças à tona, Waldeci. Muito obrigada por seus comentários!
ExcluirQue delícia de memória... na minha cidade, a venda do Neif adoçava nossas vidas e salvavam os almoços rs. Porém, quando ele, o Neif, decidiu pôr fim a própria existência, o sabor da venda ficou bem amargo...enfim, que todos tenham uma memória afetiva como essa! Com final feliz ou não...
ResponderExcluirQue bom que gostou do texto, Paula! As memórias afetivas nos ajudam a entender quem somos. Obrigada pelo comentário!
ExcluirEu lembro perfeitamente da venda do Sr Moisés, tudo de bom, mas eu na época comprava lá cigarro por unidade ( coisa feia ), pois não tínhamos dinheiro para comprar um maço de cigarro e minha mãe dizia que era feio pedir um cigarro, quem tem
ExcluirVicio que sustente !!!
Gente há muito tempo parei de fumar!!!
Beijos. Gosto das suas lembranças Cintias
Na cidade grande, onde cresci, essas memórias são mais vagas. Infelizmente. Acho que o barulho dos carros sufocou histórias como a da venda do Moisés... Belas lembranças, comadre!
ResponderExcluirObrigada, querida Dayse!
ExcluirCíntia
ResponderExcluirComo sempre o seu texto engana a mente, é tão bem escrito que parece que sou uma observadora e a cada segundo a memória traz a tona a nossa infância tão querida: lembro me bem dessa venda. Que orgulho de você minha amiga .
Muito obrigada! Fico feliz que tenha gostado!
ExcluirMaravilha de relato. Meus tios queridos personagens de memória afetiva. Diria apenas que faltou um esclarecer mais atento sobre o personagem principal. Abraços.
ResponderExcluirObrigada pelo comentário!
ExcluirNossa que texto lindo!! Voltei a algumas décadas atrás! Obrigada pela nostalgia boa!
ResponderExcluirQue bom que gostou, Roseli! Obrigada!
ResponderExcluirSimplesmente fantástico voltar à infância e relembrar momentos maravilhosos vividos. Assim era a venda do Sr. Moisés, um mundo de histórias e lembranças. Parabéns Cintia Nascimento por este momento tão especial, de pessoas especiais. Show.
ResponderExcluirMuito obrigada, Benedito!
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirLindo texto.
ResponderExcluirParabéns.
Gostava muito da loja Cariru (de material escolar) também.
Obrigada, Henrique! Eu também adorava a papelaria!
ExcluirEu vivi à época do Moises, juntamente com seu irmão Jacinto, era ponto de encontro dos estudantes que voltavam do Colégio, realmente na "venda do MOISES" Tinha de tudo. Saudades.
ResponderExcluirQue legal, eu vivi uma parte também dessa história, venda do seu Moisés, quando criança ia na igreja da praça da cultura, e sempre aos domingos ia comprarar bala, às vezes estava fechado, mas atendia pela janelinha.... Esses dias mesmo que fui caminhar e passei em frente dessa casa e lembrei disso !!! Bela lembrança !! Bela história... obrigado
ResponderExcluirQue bom que gostou, Natanael! Obrigada pelo comentário!
ExcluirEu me lembro muito pouco do seu Moisés, quando ele morreu eu devia ter uns 5 anos eu acho, eu lembro dele indo buscar água na mina da minha vó que era do lado da casa deles, tenho essa lembrança. Eu brinquei muito com a Vera a filha dele, de amarelinha e dominó, lembrança boa daquele pedaço, vizinhança boa, parecia até que eram todos parentes. Cambuí que eu tenho saudades, hoje não é mais assim.
ResponderExcluirObrigada pelo comentário, Sara!
ExcluirEu me lembro muito pouco do seu Moisés, quando ele morreu eu devia ter uns 5 anos eu acho, eu lembro dele indo buscar água na mina da minha vó que era do lado da casa deles, tenho essa lembrança. Eu brinquei muito com a Vera a filha dele, de amarelinha e dominó, lembrança boa daquele pedaço, vizinhança boa, parecia até que eram todos parentes. Cambuí que eu tenho saudades, hoje não é mais assim.
ResponderExcluirTambém me lembro muito da venda e do Sr Moisés! Não comprava muito lá pois como eu morava na Av do Carmo, meu caminho era mais pela venda do Seu João Marcelino e o armazém do Jordão Bueno. A lembrança mais marcante para mim era do morro de cascalho, muito íngreme, um verdadeiro desafio para os ciclistas novatos. Me lembro bem do cheiro do bar e do cheiro do café torrado da torrefação moro acima! Obrigado por nos trazer essas lembranças!
ResponderExcluirFernando Braga
Também me lembro muito do morro e dos tombos! E também do cheiro delicioso de café torrado. Obrigada pelo comentário, Fernando!
ExcluirE aos domingos vendia apenas pela janela... Que saudade!
ResponderExcluirVerdade, Ana Paula! Obrigada pelo comentário!
ResponderExcluirLindo Texto Cíntia Nascimento!!! Lembranças de um tempo bom, feliz, inocente, guardadas nas memórias de quem viveu uma doce infância como você carinhosamente bem relatou. Em Córrego do Bom Jesus também tinha as "vendinhas" com todos estes itens apontados. Eu que cresci na roça, me encantava com essas delícias que tinha nas "vendas" e armazéns da cidade, quase impossíveis de se comprar. Mas era tão feliz, que hoje todas estas lembranças só me orgulham da infância que tivemos!!
ResponderExcluirMuito obrigada pelo comentário, Sérgio! Somos muito privilegiados por ter nascido e crescido no interior. Carregamos o dom de ver a vida com todas as suas sutilezas, valorizando as coisas simples, mas que são tão importantes. Abraço!
ResponderExcluirQue delícia ler seu texto!
ResponderExcluirVoltei no tempo e me emocionei com as lembranças da minha infância.
Cada venda tinha sua peculiaridade, a venda do João Marcelino ficava embaixo da minha casa e cada vez que eu passava, ele falava: o que a menina vai querer e sempre ganhava um docinho.
A venda do Seu Nemésio comprava o pão com mortadela para merenda da escola, a venda do Seu Chico, na av. Tiradentes...ah tinha as melhores cocadas que comi na vida, além da doçura e educação no atendimento.
Mas a venda do Seu Moisés, sem sombra de dúvida, fez parte da infância e adolescência de muitas gerações Cambuiense.
Nunca soube o nome daquela rua, será sempre o morro do Móises...
Muito obrigada por seu comentário!
ExcluirRealmente nossas infâncias foram marcadas e alegradas pelas vendas e seus simpáticos proprietários.
A rua da venda do seu Moisés se chama Major Higino César. Sei porque eu morei lá quando era criança, bem pertinho da venda.
Grande abraço!