sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Papel de carta



     Nem me lembro bem quando parei de receber cartas. De ter aquela sensação deliciosa de tocar um papel que trazia parte de quem havia nele escrito. De sentir o cheiro do lugar de onde partiu. De guardar comigo o pacote de sentimentos que cabia no envelope. 
     
     Outro dia, esperava na fila dos Correios para mandar um documento e vi que ninguém segurava uma carta. Nem eu. Apenas malotes e outras coisas. Logo voltei ao tempo em que escrevia pelo menos uma carta por semana para alguém. Para a família, para os amigos, para os amores. Além das palavras, papeizinhos colados, figurinhas, ingressos de cinema e até beijos de batom. De tudo um pouco viajava até chegar aos destinatários que deixei tão cedo em outras terras.


     Melhor ainda era quando recebia a resposta com notícias ingênuas, cotidianas, alegres e outras nem tanto. Checar a caixa do correio no fim do dia era uma aventura de dupla surpresa. Boa quando se podia avistar, lá no fundo, um pedaço de alguém. Ruim quando o que se via era apenas um vazio cheio de esquecimento, tão doloroso. 


     E as coleções de papel de carta? Nunca fiz mas até hoje sinto inveja de quem fazia. Cheirosos, coloridos, com ursinhos e flores para todos os gostos e manias. Isso sem falar naquele envelope com listrinhas verdes e amarelas – tão patriota! – que ainda existe mas é pouco usado, coitadinho. Também sempre gostei dos selos. Variados, imponentes, às vezes difíceis de serem decifrados.


     Interiorana que sempre serei, vez ou outra envio uma carta para as montanhas de Minas. Sorte minha que lá ainda tem gente disposta a gastar tempo abrindo um envelope para saber o que eu conto. Muita sorte.


     Mesmo vivendo dias vorazes de teclas, telas e redes, guardo num cestinho de vime mofado cartas de histórias passadas. Nelas habitam amigos que foram ou ficaram, crianças que nasceram e cresceram, avós que ensinaram e partiram. Também conservam sonhos iniciados, decepções do coração, clichês de felicidade. É certo que guardo principalmente para, num futuro, poder mostrá-las ao meu hoje pequeno filho. Quero lhe explicar que existiu um mundo que andava mais devagar e que fazia uma letra mais caprichada. Mas sei que não será tarefa fácil. Talvez eu escreva uma carta. 



Cíntia Nascimento

4 comentários:

  1. Também escrevi muitas cartas, longas cartas... Mas não sou saudosista, apesar de sentir falta daquele prazer em abrir a carta resposta. Hoje, quando lembro, abro e-mail. É, não é a mesma coisa...
    Sei que muita gente vai se identificar com seu texto, como, aliás, com todos que você publica.

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    1. Pois eu sou saudosista, professor. As cartas foram muito importantes numa época em que as coisas mais valiosas da minha vida estavam longe de mim. Sinto saudade daquela emoção. Obrigada por ter lido meu texto! Beijos.

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  2. Lindo texto Cíntia, sempre delicados e falando de delicadezas. Adorava as cartas e ainda adoro, mesmo que venham como email's...rs
    beijos

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    1. Obrigada, Bel querida. Também me conforto com os e-mails. É o jeito! Beijos.

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