Toda vez que alguém
da família ficava gripado, minha vó Maria fazia o seu famoso mingau de alho.
Uma sopinha salgada de fubá com cebola, muito alho e um ovo, minuciosamente
colocado quando ela já estava quase pronta. A receita sempre era servida no
prato fundo bege, com drapeado nas bordas, sobre a mesa de madeira gasta da
cozinha (aquela com a gaveta onde ficava o fumo de rolo e a palha). E era
saboreada sem pressa, acompanhada de pedaços de pão de sal, conversas e desejos
de melhoras.
“Levanta até
defunto!”, minha vó adorava dizer. Então eu ficava pensando por que ela não fez
o mingau para a sua amiga da roça, que havia morrido e pela qual ela vivia
chorando pelos cantos. Imaginava a amiga com a colher na boca, se levantando do
caixão no meio da igreja na missa de corpo presente – onde a vó fez questão de
me levar e de ainda me pegar no colo para que eu pudesse dar o adeus olhando
para o rosto da mulher já sem cor. Desses pensamentos literais e estranhos que
nos acometem na infância.
Como eu passava a
maior parte das horas na casa da vó, tinha a sorte de ganhar um pouco do mingau,
sempre que surgia uma vítima resfriada ou prestes a ficar. “Seu tio tá tossindo
tanto...” Oba! Lá vem o mingau de alho! Não é que eu desejasse a desgraça
alheia, mas aquele caldo fumegante alegrava as minhas tardinhas, principalmente
no inverno. É que, além do vírus da gripe, a receita espantava muita coisa:
tristezas, medos, desesperanças. E ainda trazia boas lembranças, notícias e
muitas risadas. Sem falar do amparo e da força para seguir tocando a vida. Sentimentos
genuínos, só encontrados nos gestos simples, feitos com amor. É verdade que muitas vezes eu fui o alvo do
mingau milagroso. Mesmo entre espirros, tosse e nariz fungando, não deixava de
curtir a iguaria especialmente preparada para mim, com todas as honras que ela
merecia.
Triste é que as
tardes de mingau de alho da vó Maria já acabaram faz tempo. Bom é que a
tradição tenha permanecido na família. Meu pai ainda se apega à receita quando
a gripe aparece ou simplesmente quando tem vontade mesmo. E eu também.
Hoje, com a
garganta em brasa e uma tosse que quase está me matando, fiz o meu próprio
mingau de alho. Bem caprichadinho, com tudo a que tenho direito. Tudo mesmo. Acrescentei
o cheiro maravilhoso do início da noite, a falação dos passarinhos e dos sapos já
prontos para dormir, o assovio do vento nas folhas do limoeiro, os passos leves
no assoalho e até a chuva fininha, que trazia o ar gelado e fazia a gente
fechar as janelas mais cedo, carimbando o desfecho do dia.
“Toma tudo que você vai melhorar rapidinho!”. Sim, vó. Mais uma vez você estava certa. Já me sinto muito melhor.
Cíntia Nascimento