terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Aquele Natal

 


           Quem também já teve um Natal especial sabe o que estou falando. Sempre fui uma pessoa feliz nessa época. O fato é que, diferente dos outros meses, sinto que dezembro tem uma mágica que esconde o que é ruim e a vida passa a ser, digamos, melhor. Todas as minhas lembranças natalinas são boas. Todas mesmo. Mas tem uma que é campeã: aquele Natal que passamos todos juntos, na casa da vó Maria. Aconteceu só uma vez na vida e durou só algumas horas. Só o que precisava durar.

          Início dos anos 1980, aquelas roupas coloridas, sintéticas, estranhas. Aquelas novelas com finais felizes. E foi em uma tarde muito feliz que alguém teve a ideia de reunir toda a família na casa da nossa vó para celebrar a noite do dia 24. “Mas será que vai dar certo? O tio fulano vai querer ir? Não vai ter briga? E se a vó não gostar?” Deu certo. O tio fulano foi, não teve briga e a vó adorou.

Desde que o plano foi lançado, vieram dias inebriantes. É que, além da ceia, inventaram de fazer um amigo oculto que, naquela época e naquela cidade, a gente chamava de amigo invisível. “Adultos com adultos, crianças com crianças”. Muito justo. Eu tirei um primo e dei uma bola colorida. Ganhei – do mesmo primo – um estojo, daqueles de madeira, completos, com lápis de cor, caneta, régua e tudo. Uma beleza!

Depois de uma contagem regressiva que ocupou os meus sonhos a cada infinito dia, chegou a tal noite.  Eu me sentia linda, com uma minissaia bege com preguinhas, uma blusinha vermelha de linha e sandálias da mesma cor, compradas na loja da tia Margarida. Quando cheguei e vi a casa da minha vó tão iluminada, a mesa grande posta na copa, com tantos pratos, talheres e copos novinhos, achei que tinha errado o endereço. Eu raramente ia à casa dela à noite e, quando ia, era muito diferente. Quase silenciosa, o som das tábuas rangendo, a televisão sussurrando, minha vó no sofá e as lagartixas fazendo suas rondas, para desespero das baratas. Mas, naquela noite, não havia silêncio, nem lagartixas e muito menos baratas. Havia luz. Risadas, abraços. Havia amor.

Na mesa, só coisa boa: além das delícias mineiras, que dispensam comentários, tinha aquela carne cortadinha e temperada com limão, que só a vó Maria sabia fazer. Creme de ameixa, sorvete... até o doce de figo, que eu detestava, me deixou contente. Nós, as crianças, brincamos e brincamos. No quintal, na garagem, na rua, nos nossos cenários já tão conhecidos, que então ganharam outras cores. Um amigo, quase filho, entrou de surpresa pela porta, com um panetone enorme: “É pra senhora, dona Maria.” Vi os olhos da minha vó se emocionarem e pensei que a vida podia, sim, ser muito bonita e que os gestos mais simples eram os mais valiosos.

Aquele Natal me trouxe muitos presentes. O estojo – que exibi orgulhosa no primeiro dia de aula –, meu padrinho apresentando à família a namorada que já estava com ele há quase 20 anos, pais, tios, tias, primos e primas juntos pela primeira vez, na mesma casa, na mesma mesa. Papai Noel foi realmente generoso.

Apenas uma vez o Natal aconteceu assim, tão perfeito. Os outros todos foram e são muito bons, mas aquele até hoje me faz duvidar se realmente foi de verdade. Tanta gente não está mais naquela mesa, tanta gente não está mais neste mundo. Nem a casa existe mais. Pena que não há uma foto, um vídeo, nada. Nenhum registro para provar que aquilo tudo existiu.

Pensando bem, não é preciso ter provas. Porque aquele Natal ainda existe. Aparece quando vejo uma propaganda, ouço uma canção, sinto o cheiro do panetone ou observo meu filho, concentrado, escrevendo os cartões para a família. E vai existir para sempre. Como acontece com aquela cena daquele filme que a gente gosta tanto, mas tanto, que não se cansa de assistir dez, vinte, mil vezes. Como acontece com as coisas que a gente ama de verdade. 

 

Cíntia Nascimento