quinta-feira, 25 de julho de 2024

Poema na varanda




No inverno, o sol bate aqui na varanda. Um sol fraquinho, aconchegante, renovador. Ele aquece a pele da gente e abre os sentidos para o correr da tarde.

Da rua, vem o som dos porteiros noticiando o balanço do dia, enquanto sacodem as vassouras para espantar folhas e outras coisinhas da calçada. Lá longe, e também perto, cachorros vizinhos reclamam suas vontades. Do terreno em frente – aquele que já teve uma casa grande, que depois virou escola –, saem estalos de um amontoado de concreto e tábuas, que explica o porquê dos ruídos que nos acordam bem cedinho.

Por causa do sol, a sinfonia que vem da praça também fica mais forte. As crianças correndo, gritando, provando que o brincar ainda tem, sim, lugar entre telas e frases curtas. Entre os postes, uma família de miquinhos desfila apressada na fiação, fugindo das bicadas do bem-te-vi, que defende o seu ninho. Um casal de maritacas dialoga alto, dança e desaparece no azul. No lugar, vem um avião, e o seu barulho traz a infância, quando uma aparição como esta era um acontecimento extraordinário, na monotonia de uma cidade do interior.

Passam carros, correm motos, bicicletas. Passa a tarde, passa o tempo, e o sol começa a avisar que já vai. Tudo simples, corriqueiro, repetitivo, e também tão singular. As pessoas, as vozes, os pássaros, o cheiro de flor, as gatinhas dormindo, o avião. Um recorte da vida de verdade. Aquela que está sempre aqui, atestando a sua concretude. Um poema que já vem pronto.

Que bom que, no inverno, o sol bate aqui na varanda!


Cíntia Nascimento