Hoje uma
ventania daquelas varreu a rua e atapetou de folhas a varanda que eu havia
acabado de limpar. Foi tão grande o estrago, que até o vento ficou com pena de
mim. Só pode ter sido por isso que ele me ofereceu como recompensa um presente
valioso que invadiu o ar: o perfume da dama-da-noite. Lógico que o perdão foi
imediato. Mas o que o vento não sabe é que o mimo trouxe uma espécie de
passagem de ida – ou de volta – para uma certa praça, em frente a uma certa igreja, cenário das primeiras
noites quentes de uma menina do interior.
Era na
praça (ou no jardim, como muitos gostavam de falar, inclusive eu) que os
sábados e os domingos recebiam jovens, velhos, crianças, amigos, desafetos e
toda espécie de pessoas dali mesmo da nossa pequena cidade ou dos arredores. Criava-se
um vai e vem de gente disposta a colocar a conversa em dia, conhecer as últimas
fofocas, namorar, paquerar e – quem sabe? – encontrar a alma gêmea. Tudo isso
emoldurado por uma fila de pipoqueiros que convivia sem qualquer tipo de
discórdia. Enquanto isso, para quem era criança, as noites na praça representavam
mais que uma compensação por uma longa semana de escola, tédios e pequenos
afazeres domésticos.
Sempre depois
da missa, é claro, aquele palco rodeado de árvores, flores e bancos de cimento
recebia as melhores brincadeiras: pega-pega, corrente-pega-gente (quem tem medo
sai da frente!), esconde-esconde, balança-caixão, pera, uva ou maçã. E também
teve a vez em que, do nada, um pula-pula gigante se instalou bem no meio do
nosso pedaço, trazendo dias e noites inesquecíveis. A verdade é que não havia
limite para a diversão. Ao mesmo tempo em que a criançada suava a roupinha de
festa, recarregava as baterias com uma infinidade de delícias. Canudinho de doce-de-leite,
amendoim torrado, pirulito de guarda-chuva, sorvete na casquinha e pipoca, sempre
a pipoca. Sem falar na roleta que a gente rodava, em frente ao cinema, para
saber se ia saborear um biju ou, dependendo da boa sorte, até três.
Mas como o
tempo não aceita que ninguém fique para trás, a brincadeira mudava de lugar assim
que a gente ia crescendo. O centro da praça ficava pequeno e a molecada passava
então a rodar na calçada. Meninos de um lado, meninas do outro. E, a cada
encontro daquela ciranda, surgiam as primeiras trocas de olhares, sinais certeiros
de que a infância estava mesmo se despedindo. Já o último ato daquele balé sincronizado
era apresentado na rua em volta da praça, onde a vida seguia seu rumo. Muitos
casais se formaram, floresceram e deram frutos. Tantos outros duraram pouco, é
verdade. Mas nem por isso são menos importantes.
Também figuram nesta história.
Um dia
decidi que era hora de circular em outras praças e dei adeus ao meu querido
jardim. Feliz sou eu que em noites especiais posso receber aqui em casa, tão
longe, personagens ilustres como esta dama florida, que tem cheiro de saudade. Seja
bem-vinda, senhora dama-da-noite! Não tenha dúvidas de que estarei disposta a
rodopiar com você pela minha querida praça. Esta noite e para sempre.
Cíntia Nascimento