Para onde
iam as galinhas todo sábado? Este era o mistério que cercava minha até então
curta vidinha de criança. Elas desapareciam do terreiro sem deixar vestígios.
Nem um só sinal. Nem uma só peninha.
Pequenina,
eu passava os dias a perseguir as galinhas do meu avô. Eram elas de todo
tamanho, cor e idade. Puxava pelo rabo, espantava com uma carreira tão grande que
as fazia quase levantar voo. Mas é verdade que também acarinhava, dava milho,
água, conversava. E, de tardinha, ajudava meu avô a recolher minhas queridas
para o porão, onde cada uma passava a noite despreocupada, sonhando ser acordada
pelo canto do seu galã favorito, o galo.
Mas algo
muito estranho movimentava aquela rotina. É que, sempre no final do sétimo dia, o quintal
ficava com espaços vagos, antes ocupados por minhas barulhentas amigas. Eu as
via partir uma a uma, sem entender para onde estavam sendo levadas. Simplesmente eram carregadas até o portão dos
fundos da casa e nunca mais retornavam. O que havia de tão perigoso além daquele
velho portão? Houve quem me dissesse – achando que criança acredita em qualquer
bobagem – que as galinhas estavam indo para casa. “Mas aqui não é a casa delas?”,
era o que eu indagava sem receber resposta convincente.
Então uma
breve parte da minha infância foi pontuada por esta dúvida que andou me
tirando alguns minutinhos de sono. Até que um dia, sentindo o cheiro que vinha do
forno, eu abusei de meus poucos conhecimentos e decifrei o mistério. Aquele
povo alegre e falante que ia aos sábados visitar meu avô estava apenas em busca
do futuro almoço de domingo. Assada, ensopada, com batatas ou quiabo. Várias
eram as opções que esperavam minhas bichinhas, aquelas que eu tinha visto
crescer. Estava tudo explicado: meu avô era um vendedor de galinhas. E vendia
até as que eram as minhas mais fiéis companheiras. Sem dó nem piedade.
Tão cruel
quanto me deparar com o assustador fim do meu enigma era o pensamento que
ficava me atormentando: como meu avô poderia ficar feliz vendo a partida das
galinhas, se sabia que elas caminhavam para a morte? E ainda por cima com os
pés amarrados, o que me deixava ainda mais desolada? Foi minha primeira
tragédia particular. Um drama total.
Mas como
desde sempre tentei ser atraída pelas boas novidades do mundo, minha tristeza
sumia assim que via a chegada de muitos e lindos pintinhos. E, para minha
sorte, eram dúzias deles. Já desapegada de qualquer ressentimento, eu os
colocava pra brincar com as vaquinhas de chuchu e com os bonecos de espiga de
milho, também protagonistas naquela minha trama. Eles adoravam! Melhor é que isso
me ajudava a seguir a vida sem pensar no futuro. Ou pelo menos, sem pensar no próximo
sábado.
Cíntia Nascimento