Sem esconder o quase pavor, eu ouvia meu pai
perguntar: “Medo por quê?”.
Não queria responder, mas sabia bem o que temia. A verdade era
que, do alto dos meus cinco anos, nunca havia tido a coragem de andar num
carrossel. E olha que eu jamais tinha visto um daqueles enormes, de parque
famoso! Só conhecia os pequenos mesmo, dos parquinhos que vez ou outra
felizmente aterrissavam na minha cidade.
Não que eu não quisesse. Longe disso. Mas toda vez que chegava
perto de um carrossel, assumia papel de estátua. Paralisava diante daqueles
cavalos que me encaravam. Branco, preto, marrom desbotado e até cor-de-rosa.
Eles me enfrentavam cara a cara com aqueles olhões pintados, sem nenhuma vergonha
dos arranhões e lascas que denunciavam os dissabores das tantas cavalgadas,
galopando de cidade em cidade pelo interior afora.
A única coisa que eu pensava era que aqueles bichos iriam me derrubar. E
o pior: se me machucasse, não poderia mais ir ao parque por um bom tempo. Aí
seria o fim, uma tragédia total. Então sempre retornava pra casa infeliz da
vida, apesar do ursinho de pelúcia ganhado com louvor no jogo de argolas. Era
só nos meus sonhos que eu dava voltas e mais voltas no temível carrossel, sem
receio de coisa alguma. Sempre arrependida da minha hesitação, restava torcer
para que o parquinho voltasse logo e me encontrasse com mais coragem.
O bom é que voltava. Logo lá estava eu de novo, mão agarrada à do
meu pai, ajudando a compor aquele cenário que até hoje enfeita minhas melhores
lembranças. A rodinha-gigante iluminada por luzinhas coloridas, o balanço em
forma de barco e o chapéu-mexicano – do qual eu não podia nem chegar perto por
exigência da minha mãe: “Perigoso demais. Deus me livre!”.
Também tinha maçã-do-amor, churrasquinho e cheiro de pipoca. Sem falar
na alegria da molecada correndo naquele chão de terra, ao som de canções velhas
da Jovem Guarda. As coitadas das mães se desdobrando para controlar os filhos,
enlouquecidos com tanta novidade. Os idosos vestidos de saudades e os
enamorados depositando todas as esperanças na noite.
Tudo muito bonito, mas meu algoz, o arrepiante e ameaçador carrossel,
também sempre estava lá. Numa dessas, fingi que não o tinha visto, mas foi em
vão. Meu pai disfarçou, desconversou e, quando percebi, estava de frente com um
colossal equino circulante. Hipnotizada, fui içada na direção de um alazão
branco e comecei a sentir o mundo girar no ritmo daquela época. Sem pressa,
calmo, sereno. Já era tarde demais: fui conquistada e escolhi perder o medo.
Ainda ouço o coração saltitando com a alegria de uma amazona que ganhou
o primeiro prêmio. E desde aquela noite sigo enfrentando todos os carrosséis
que me aparecem pela frente, um de cada vez. Alguns maiores, com cavalos mais
bonitos, outros mais aterrorizantes. O fato é que estou sempre rodopiando. Não
quero mais ficar triste quando o parque partir.
Cíntia Nascimento