Um circo se instalou perto
do meu bairro. Vi no outro dia, todo bonito, grande, chique, como aqueles que a
gente assiste nos filmes. Devia ser hora de espetáculo, pois uma multidão se
organizava para entrar e garantir seu lugar sob aquela lona enorme e colorida.
E vendo aquela gente feliz e entusiasmada, senti saudades. De outros tempos, de
outros picadeiros.
“Hoje tem espetáculo? Tem,
sim, senhor!”. Ainda ouço o som abafado que vinha daquele carrinho capenga. Ele
percorria as ruas da minha pequena cidade, anunciando um dos acontecimentos mais
importantes daquela nossa vida arrastada de interior: a chegada do circo.
Era uma ocasião diferente
de tudo, que trazia uma transformação ímpar. As pessoas ficavam mais alegres,
leves, curiosas, sem medo de sonhar. Como se uma aura mágica comandasse nossos passos.
Os dias assumiam tons de balões coloridos e coisas incríveis aconteciam. Pelo
menos era assim que eu percebia, ostentando meus oito, nove anos. O bom era que
todo circo sempre se instalava no mesmo lugar, que pra gente já era sagrado. Fincava
suas estacas num campinho, ao lado da escola. E só isso já tornava a vida mais
atraente.
O certo é que, com a
presença daquela fantástica atração nômade, nossas conhecidas brincadeiras do
recreio da tarde perdiam a vez para uma observação deliciosa. Do portão lateral,
nós alunos assistíamos a uma outra espécie de apresentação. É que nessa hora do
dia a trupe circense tocava a vida. Estendia roupa, varria o chão, coisas do
cotidiano. E nós, crianças, ficávamos imaginando que aquelas pessoas eram
espécies de super-heróis disfarçados. Como se guardassem o melhor, o incrível e
o improvável para mais tarde, a hora do espetáculo.
Curioso foi que, numa dessas
inebriantes temporadas, eu recebi – até hoje não sei bem o porquê – a benção de
poder ir à matinê de domingo com minhas amigas. Sem pais, prima mais velha ou
coisa correspondente. Isso sim era um grande acontecimento!
Então lá fui eu, desfilando
meu preferido vestido azul de bolinhas brancas com uns enfeitinhos vermelhos,
presente da minha avó. Nunca tinha saído assim, com tanta liberdade. Quase
desmaiei quando, logo na entrada do circo, dei de cara com a macaca, que se me
lembro bem se chamava Efigênia. Eu nunca tinha visto uma macaca assim, tão de
perto. Toda linda, estava no colo de uma das artistas, recepcionando o público.
Mas inebriante mesmo foi
quando o show começou pra valer. Um desfile de atrações maravilhosas – que hoje
sei que eram tão simples, sob aquela cobertura incrementada com remendos. Não
tinha charanga (daquelas que tocavam a noite inteira), mas uma bandinha que animava
a cena com muito mérito. Tinha um malabarista e suas garrafas coloridas, e um
trapezista franzino, que rodopiava no ar enquanto a plateia botava o coração
pra fora. Óbvio que a gente curtia com gosto cada segundo daquele universo tão
diferente de nossa vidinha de feijão com arroz.
E para completar minha
tarde de magia, tive até um momento de estrelato. Fui finalista no concurso de
dança orquestrado pelo palhaço barrigudo, que de minuto em minuto parava a
música e eliminava as pobrezinhas que julgava não serem pés de valsa. Quando me
dei conta, estava entre as duas últimas colocadas.
– É
ela?
– Não!
– É
ela?
– É!
Uma colega
de sala, de rua, de tudo, foi a vencedora. E eu cintilei com o segundo lugar, que me rendeu
um esplendoroso prêmio: um ingresso para outra apresentação do circo! Não podia
haver recompensa maior. Aliás, podia sim: a fama que me seguiu por meses. Minha
performance de vice correu a cidade e depois daquela matinê virei praticamente
uma artista. Cheguei até a receber convites para me apresentar nas festinhas
que animavam nossos fins de domingos. Uma verdadeira Ginger Rogers mambembe.
Talvez eu vá conferir o
espetáculo do grande e novo circo, que é climatizado e vende ingressos pela
internet. Quem sabe eu encontre por lá uma garotinha magrinha, com olhos
brilhantes e vidrados no picadeiro? Talvez ela esteja lá, só esperando a música
tocar para sair dançando. Quem sabe?
Cíntia Nascimento