quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Aleluias








Essas noites de quase primavera torturam meus sentidos. Da porta da varanda, vem o cheiro doce de dama-da-noite, que tão bem perfumou minha infância de mineirices. Não há como não viajar no tempo. Mas o que realmente me leva para estações passadas são os bichinhos de luz. Insetos pequeninos, que na minha terra também se chamam Aleluia e que hoje sei que são cupins. Aqueles que voam incansáveis em torno de qualquer coisa que ilumine suas minúsculas vidinhas. 


Outro dia, saí de casa e me deparei com centenas desses voadores, talvez milhares, num redemoinho alado que enfeitava de asas a entrada do meu prédio. Curioso é que, em cada lâmpada, um grupo apresentava seu show sincronizado. E eu me vi pequena, segurando uma bacia d’água, na sala da casa da minha avó. O certo é que era uma diversão atrair os pobrezinhos insetos para um trágico afogamento. Não por maldade. Mas pra tentar descobrir por qual razão eles mergulhavam sem hesitar naquela piscina improvisada, desistindo da própria existência. 


– Acham que a luz na bacia é mais brilhante! – explicava minha avó, gastando parte de sua psicologia.


Mas se já havia tanta luz no ar, para quê perder a vida numa ilusão? É certo que naquela época eu não podia entender. Agora, até consigo. Quem não conhece uma Aleluia que desistiu de um farol por causa de uma falsa luz brilhante? Eu conheço várias.


A verdade é que a presença daquelas Aleluias, indesejadas por muitos, iluminou minhas noites, por vários anos, em casa, na rua, na pracinha.  E, pelo visto, continua iluminando. De novo digo que esta quase primavera é torturante. Mas de um jeito delicioso: maltrata de saudade ao mesmo tempo em que traz uma vontade imensa de que muitas outras noites ofuscantes – como aquelas – continuem a acontecer. E como que adivinhando meus pensamentos, hoje meu poetinha suspendeu o olhar para o céu e recitou:


– Mãe, a lua está com um sorriso. É porque ela está gostando da noite.


Ela está, sim. E eu também.


Cíntia Nascimento