Nem me lembro bem quando parei de receber cartas. De
ter aquela sensação deliciosa de tocar um papel que trazia parte de quem havia nele
escrito. De sentir o cheiro do lugar de onde partiu. De guardar comigo o pacote
de sentimentos que cabia no envelope.
Outro dia, esperava na fila dos Correios para mandar um documento e vi que ninguém segurava uma carta. Nem eu. Apenas malotes e outras coisas. Logo voltei ao tempo em que escrevia pelo menos uma carta por semana para alguém. Para a família, para os amigos, para os amores. Além das palavras, papeizinhos colados, figurinhas, ingressos de cinema e até beijos de batom. De tudo um pouco viajava até chegar aos destinatários que deixei tão cedo em outras terras.
Melhor ainda era quando recebia a resposta com notícias
ingênuas, cotidianas, alegres e outras nem tanto. Checar a caixa do correio no
fim do dia era uma aventura de dupla surpresa. Boa quando se podia avistar, lá
no fundo, um pedaço de alguém. Ruim quando o que se via era apenas um vazio cheio
de esquecimento, tão doloroso.
E as coleções de papel de carta? Nunca fiz mas até hoje
sinto inveja de quem fazia. Cheirosos, coloridos, com ursinhos e flores para
todos os gostos e manias. Isso sem falar naquele envelope com listrinhas verdes
e amarelas – tão patriota! – que ainda existe mas é pouco usado, coitadinho.
Também sempre gostei dos selos. Variados, imponentes, às vezes difíceis de
serem decifrados.
Interiorana que sempre serei, vez ou outra envio uma
carta para as montanhas de Minas. Sorte minha que lá ainda tem gente disposta a
gastar tempo abrindo um envelope para saber o que eu conto. Muita sorte.
Mesmo vivendo dias vorazes de teclas, telas e redes, guardo
num cestinho de vime mofado cartas de histórias passadas. Nelas habitam amigos
que foram ou ficaram, crianças que nasceram e cresceram, avós que ensinaram e partiram.
Também conservam sonhos iniciados, decepções do coração, clichês de felicidade.
É certo que guardo principalmente para, num futuro, poder mostrá-las ao meu
hoje pequeno filho. Quero lhe explicar que existiu um mundo que andava mais
devagar e que fazia uma letra mais caprichada. Mas sei que não será tarefa
fácil. Talvez eu escreva uma carta.
Cíntia Nascimento